Encobertos pelo tempo, soterrados por camadas de terra e asfalto, permanecem em silêncio os vestígios de um dos capítulos mais sombrios da história brusquense. Ali, escravizados foram punidos de maneira cruel, lançados em fossos estreitos e profundos que se transformaram em símbolo da dor e da opressão.
A história desses fossos mistura fatos documentados e memórias orais, unindo a crueldade da escravidão ao imaginário popular repleto de lendas e relatos sobrenaturais.
Quem foi Pedro José Werner, o “Pedro Miúdo”
Nos primeiros anos da Colônia Itajahy, em meados de 1860, Brusque recebia seus primeiros imigrantes vindos da Europa. Entre os homens de maior influência na época estava Pedro José Werner, mais conhecido como Pedro Miúdo.
Segundo documentos históricos, ele foi o responsável por receber os primeiros 55 colonos, conduzindo-os à região conhecida como Vicente Só. Ali, em seu engenho de farinha, os recém-chegados foram acolhidos e iniciaram sua vida na nova terra.
Mas a história desse colono pioneiro guarda também um lado sombrio: Pedro Miúdo foi proprietário de escravizados em Brusque, em plena segunda metade do século XIX, período no qual muitos acreditam que a escravidão já não existia em Santa Catarina.
Os escravizados de Pedro Miúdo
Pesquisas históricas e registros encontrados revelam que Pedro mantinha pelo menos quatro pessoas escravizadas:
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Uma mulher, que trabalhava em sua casa;
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Três homens, que atuavam em seu engenho de farinha.
Um dos nomes recuperados pela história foi o de Antônio Criolo, comprado por Pedro aos 20 anos de idade por 950 mil-réis, valor altíssimo para a época, o que indica o quanto a mão de obra escravizada era vista como “investimento”.
Essas pessoas foram submetidas a um regime cruel, marcado por punições severas que deixaram marcas não apenas físicas, mas também espirituais e simbólicas na memória da cidade.
O castigo dos fossos
De acordo com o historiador e jornalista Celso Deucher, autor do Documentário Fosso dos Lamentos, Pedro Miúdo usava um método de punição especialmente desumano: jogava seus escravizados em fossos profundos, onde permaneciam por dias sem água, comida ou qualquer tipo de conforto.
Esses fossos ficavam próximos ao engenho de Pedro, em uma área hoje urbanizada. Com o tempo, foram soterrados e, nas décadas de 1980 e 1990, acabaram cobertos definitivamente por obras viárias.
Os relatos sobrenaturais
A crueldade cometida naquele local teria ecoado para além da história. Desde o final do século XIX, começaram a circular pela cidade relatos assustadores:
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Roças em chamas: pessoas afirmavam ver plantações pegando fogo à noite. Em um piscar de olhos, nada restava, nem fumaça, nem brasas.
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Pedras que rolavam do morro: moradores juravam ouvir e até ver enormes pedras descendo em direção à estrada. Mas, de repente, tudo sumia sem deixar sinal.
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Gritos no rio: canoeiros que navegavam pelo Itajaí-Mirim relatavam ouvir gritos desesperados e pedidos de socorro vindos da mata próxima às margens do rio.
- O homem do cigarro: muitos afirmavam ser abordados por um homem misterioso que surgia pedindo um cigarro. As pessoas chegavam a sentir o peso da mão dele ao pegar o cigarro de seus dedos. Mas, no momento em que riscavam o fósforo para acender, com o clarão da chama… o homem simplesmente desaparecia diante de seus olhos, deixando apenas o silêncio e o arrepio da noite.
Esses relatos ajudaram a consolidar a fama do local como um lugar amaldiçoado, habitado por almas penadas, e foram reconstituídos e descritos no documentário.
“Não passe por lá depois do fim da tarde”
Durante muito tempo, o aviso entre os moradores era claro: não atravesse aquela região após o anoitecer.
Acreditava-se que os espíritos dos escravizados ainda rondavam o local, transformando os fossos em uma espécie de portal entre o sofrimento humano e o sobrenatural.
Onde ficam os fossos hoje
O mais assustador é que esse lugar ainda existe. Ele não desapareceu, apenas foi coberto por terra e asfalto.
A localização apontada pelas pesquisas é precisa: Rodovia Antônio Heil, esquina com a rua Professor Francisco Bodenmüller.
Um ponto por onde centenas de brusquenses passam diariamente, sem imaginar a história enterrada sob seus pés.
Reflexão final
A história dos fossos de Brusque é um lembrete doloroso de que a cidade também foi palco da escravidão e da crueldade. Ainda que hoje os fossos estejam escondidos, as memórias permanecem, entre a dor registrada em documentos e os relatos sobrenaturais que atravessaram gerações.
É um passado que, mesmo coberto por terra e asfalto, não deve jamais ser esquecido.
Assista abaixo ao Documentário Fosso dos Lamentos, de Celso Deucher, e descubra como a crueldade da escravidão em Brusque se transformou em lenda e mistério:
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Fontes
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Primeiro Relatório da Colônia Itajahy (1860) – transcrição disponível no acervo da Sociedade Amigos de Brusque / Casa de Brusque.
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Arquivo Público de Santa Catarina – Catálogo de documentos sobre escravidão (1860–1862).
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Deucher, Celso – Documentário Fosso dos Lamentos (2025), Griô Filmes, lançado no Museu Casa de Brusque.
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Jornal O Município – Reportagens de 2025 sobre a pesquisa de Celso Deucher e a história dos fossos em Brusque.
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Memória oral de Brusque – relatos de moradores e registros de tradições locais, incluindo lendas das roças em chamas, pedras que rolavam, gritos no rio e o “homem do cigarro”.
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